treiste fim mesmo*
Morte de Uma Ex-Celebridade
Poucas pessoas vão reconhecer o nome.
Aos 14 anos, em 1990, Brandis estrelou A História Sem Fim II, um dos filmes que mais marcou a minha adolescência. (Quem adivinhar porque ganha um doce!) Depois, entre 1993 e 1996, interpretou o garoto-prodígio da tripulação do submarino Seaquest, um seriado simpático que deixou saudades. Depois disso, os bons papéis foram escasseando, mas Brandis não estava sem trabalho. Em 2002, teve participação de destaque em A Guerra de Hart, com Bruce Willis.
Por algum motivo, entretanto, Brandis se enforcou.
* * *
Se fosse só isso, Brandis que me perdoe, não valia uma matéria.
Mas todos os artigos sobre sua morte citavam insistentemente um press-release de um certo Paul Petersen, presidente da ONG A Minor Consideration. Uma tradução possível para o nome da ONG seria Uma Consideração Menor.
"We are left with a sense of helplessness and perhaps even anger that this thoroughly unexpected death occurred when we have spent years developing resources to deal with any and all crisis situations. This one hurts. What more can we say?"
"Ficamos com um sentimento de impotência e talvez até de raiva que essa morte, completamente inesperada, tenha acontecido quando passamos anos desenvolvendo recursos para lidar com essa e qualquer situação de crise. Essa doeu. O que mais podemos falar?"
O tom da mensagem me intrigou. Petersen parece pessoalmente magoado de Brandis ter tido a falta de consideração de se enforcar: "Como esse cretino teve coragem de se matar depois de tudo o que fizemos por ele? Ingrato!"
Fui correr atrás da história.
* * *
Na verdade, uma tradução mais apropriada para o nome da ONG seria Uma Consideração de Menor.
Você poderia se perguntar: alguém que tem seis anos de idade e já ganha milhões de dólares precisa de proteção de quem?
Bem, pra começar, de si mesmo e dos seus pais.
Macaulay Culkin travou longas batalhas jurídicas com seu pai (que também era seu empresário) por ter sumido com o dinheirão que ele ganhou. Os pais não só gastaram tudo como ainda entraram com uma ação na justiça para ter acesso ao trustfund reservado para idade adulta de Macaulay.
Comentou Petersen:
"Macaulay has given up his childhood for his work; it would be a travesty if his future security were lost as well."
"Macaulay deu sua infância pelo trabalho. Seria muito injusto se perdesse sua segurança para o futuro também."
Além disso, a ONG também oferece apoio psicológico para as crianças e seus familiares, ajuda-os a planejar a carreira e dá até auxílio jurídico, quando necessário.
Gary Coleman, astro infantil da década de 70, hoje trabalhando como segurança de shopping center, está enfrentando processo criminal por ter agredido um fã que disse que ele era um "washed-up child star" ("estrela-mirim ultrapassada").
Enquanto isso, no Brasil, Simony, do Balão Mágico, começou a trabalhar aos cinco anos, sumiu, voltou, sumiu de novo, posou para a Playboy, virou evangélica e casou com um presidiário.
Blogs de Ex-Astros Mirins
Nem toda ex-celebridade mirim vira segurança de shopping ou casa com bandido, mas o destino é sempre melancólico.
Wil Wheaton, outra ex-estrela mirim, era freqüentemente comparado à Brandis: enquanto Brandis interpretava o menino-prodígio do submarino Seaquest, Wheaton interpretava o menino-prodígio da Enterprise, no seriado Jornada nas Estrelas: Nova Geração (1987-1994).
O próprio Wheaton pediu para sair do programa, para investir em sua carreira cinematográfica. Infelizmente, a partir do momento em que sumiu da televisão, os convites de trabalho sumiram. Wheaton acabou indo pro Kansas trabalhar com informática.
Hoje, ele é escritor. Encontrou um meio saudável de destilar sua verve humorística e as suas frustrações de ex-astro mirim. Seu blog é, merecidamente, um dos melhores e mais famosos dos Estados Unidos.
Eis o comentário de Wheaton sobre a morte de Brandis:
"Several people have written in with the news of Jonathan Brandis's apparent suicide at age 27. I guess many TV watchers put us in a category together, because we both played "The Kid" on a SF show. I've heard him called "The Wesley of SeaQuest" more than once, and not in a kind way. Jesus, I bet that sucked for him."
"Várias pessoas me escreveram para contar do suicídio de Jonathan Brandis. Eu imagino que muitos telespectadores nos coloquem em uma mesma categoria, pois ambos fomos "o menino" em um seriado de ficção científica. Eu já o ouvi ser chamado mais de uma vez de "o Wesley do Seaquest" e não foi um elogio. Putz, isso deve ter sido uma merda pra ele."
* * *
A Internet é uma grande abridora de caminhos. Quem não tem mais opções, sempre pode criar um blog ou um site, divulgar seu nome, congregar os poucos fãs que restam.
Aqui no Brasil, outras ex-estrelas mirins também usam blogs para se comunicar com os fãs. Wheaton, pelo menos, é um blogueiro de mão cheia e encontrou sua vocação como escritor. Não podemos dizer o mesmo de Luciano, ex-Trem da Alegria, grupo musical infantil que fez muito sucesso na década de 80.
O blog de Luciano se parece com todos aqueles blogs de adolescentes que pululam pela rede, cheio de guitarrinhas flutuando e botões piscantes. O problema é que Luciano já passou dos trinta, deveria estar em outra. Eis como ele define o blog:
"Eu, como vários artistas da minha época, tivemos a glória de estarmos no meio musical...Eu nunca saí dele por completo...e nem pretendo. O propósito desse blog é um só:
"MOSTRAR UM PASSADO GLORIOSO!"...Matar a saudade de muita gente que passa por aqui...Satisfazer o desejo de quem era novo na época e não teve a oportunidade de conhecer um dos maiores fenômenos infantis do Brasil!...Mostrar que não tenho vergonha de dizer quem fui!...Suprir a necessidade de "nostalgia" de algumas pessoas! Esse é o intúito desse blog!...Pra quem quiser saber o que eu estou fazendo atualmente entrem no site da banda POP UP. Lá vcs saberão como a banda foi formada, agenda de shows, etc... (...) Vão perceber que eu não vivo só de passado!"
Luciano não vive só de passado, mas mal deve viver de presente. Pelo site, dá pra perceber que a Pop Up se mantém tocando em barzinhos de São Paulo. E, por causa da presença do Luciano, o repertório contém muitas músicas infantis da década de 80.
Parece que estou criticando, mas não estou não. Quem está certo é o Luciano. Poderia ter ido estudar Engenharia, vender seguro ou prestar concurso público. Oportunidades não devem ter faltado. Pressões menos ainda, A mãe deve ter insistido. A namorada deve ter dado um ultimato. O pai deve ter ameaçado, de dedo em riste.
Luciano poderia poderia ter cedido às porradas da vida, poderia ter desistido. A contabilidade é uma estrada sem volta.
Mas ele parece ter uma cabeça boa. Não nega nem o presente nem o passado. Sabe quem foi, sabe quem é e não tem vergonha de dizer. Toca sua guitarra pelos bares de São Paulo de cabeça erguida. Afinal, como ele mesmo disse, nunca saiu do meio musical.
Essa determinação é a marca do verdadeiro artista.
Mas que ele podia melhorar o blog, podia.
Culpa de Sobrevivente e o Paradoxo de Tostines
De certo modo, sinto isso em relação às celebridades mirins da minha geração. Afinal, eu, Brandis, Wheaton e Simony temos a mesma idade, pouco mais de trinta.
É quase como se eu tivesse falhado com eles. Eles fizeram sua parte, trabalharam duro quando poderiam estar brincando, me divertiram muito. Eu adorava o Jornada das Estrelas, o Balão Mágico, Seaquest.
Mas eu segui viagem e os deixei pra trás. Andei pra frente enquanto eles parecem ainda presos à década de 80.
O que eu poderia ter feito para ajudá-los? O que nós, como geração, poderíamos ter feito para resgatar nossos velhos ídolos?
* * *
Um visitante estrangeiro ao Brasil Colonial estava conversando com um brasileiro e manifestou a sua surpresa - surpresa positiva - de que o Capitão-Geral da província era negro. Foi rispidamente cortado pelo brasileiro, às gargalhadas. Onde já viu, essa era boa!, um negro Capitão-Geral!, onde esse mundo iria parar! Nunca!
Na verdade, impossível não era um Capitão-Geral ser negro: era um negro chegar a Capitão-Geral sendo negro. Antes, ele teria que embranquecer aos olhos dos seus pares.
Às vezes, eu digo que há vários casos de astros-mirins muito bem-sucedidos, como Deborah Secco, por exemplo. Incrivelmente, todo mundo ri de mim: Deborah Secco não é estrela infantil nem aqui nem na China!, respondem.
Perguntaram a ela, numa entrevista, se achava que conseguia seus papéis pela beleza. Deborah achou graça na pergunta e respondeu que só ficou bonita, malhada e siliconada há pouquíssimo tempo, para sua personagem na novela O Beijo do Vampiro, de 2002. E que já era atriz muito antes de ser bonita, muito antes de ser mulher, muito antes de ser gente.
Deborah, 25, estreou em novelas aos 8 anos de idade. Trabalhou durante toda a infância. Quem acompanhou o seriado Confissões de Adolescente sabe que Deborah, aos 14 anos, era uma das melhores atrizes de sua geração muito antes do silicone nos peitos.
Mas tudo isso foi abafado. Para fazer sucesso como adulta, Deborah Secco teve que embranquecer: seu passado de estrela mirim foi totalmente esquecido pela mídia e nunca é nem mencionado.
Que fique claro: Deborah é exemplo, não exceção. Assim como ela, existem vários ex-astros mirins muito bem-sucedidos. Eles só não são percebidos como astros mirins. O seu próprio sucesso atual eclipsa o sucesso passado. Quem, afinal, se referiria a Selton Mello como ex-celebridade infantil?
Parece ser realmente impossível uma ex-estrela mirim fazer sucesso. Se faz, é porque não é mais ex-estrela mirim. Se é ex-estrela mirim, é porque está em desgraça.